ARTIGO: Os Desafios na Atenção Odontológica do Paciente Autista

Lais David Amaral

A literatura atual define o autismo como uma condição de corpo inteiro, com muitas comorbidades que podem envolver aspectos genéticos, epigenéticos, fatores imunológicos, metabólicos e também anomalias gastrointestinais. O transtorno do espectro autista (TEA) tem como características principais, prejuízos na comunicação e na interação social e é caracterizada por manifestações de padrões repetitivos de comportamento e de interesses, além de atividades restritas (MACFABE, 2012; DSM V, 2013).

No entanto, (talvez) tão importante quanto definir esta condição, seja atentar-se para o fato de que estas pessoas podem apresentar diferentes combinações de sinais e sintomas, além da distinção da gravidade destas características. Cada pessoa com diagnóstico de autismo apresenta-se com um conjunto único de características em seu comportamento. Também são fatores individuais o seu convívio familiar, sua condição social, a situação em que vive, os irmãos que possa ter, a mãe que pode ser a principal cuidadora ou pode ser que ela sequer exista.

Quando converso com profissionais da odontologia e falo um pouco sobre meu trabalho com pacientes autistas, costumo ouvir exclamações e interrogações como: “é difícil, né?”, “eles não olham nos olhos!”, “você não tem medo?”, “que trabalho lindo, o seu!”, “autista não gosta que toque nele!”.

Desde que comecei a me interessar pela promoção de saúde bucal destas pessoas, em 2008 (e isso seria tema para um outro artigo como este), posso lhes assegurar que nunca conheci uma pessoa com TEA que apresentasse as mesmas características que outra. Felizmente tenho a oportunidade de conhecer muitas.

Bem, me pediram para falar sobre os desafios da odontologia para pessoas com autismo e aqui estou eu! Sim! Pode ser difícil! Sim! Alguns podem não olhar nos seus olhos de imediato! Exato! Alguns podem ser muito sensíveis ao toque… e também a ruídos… e também a indiferença. E embora eu tenha muito orgulho e um grande amor pelo que eu faço, não considero um trabalho lindo. Considero um trabalho que respeita e acolhe as pessoas exatamente como elas são, exatamente como o SUS preconiza: com universalidade, integralidade e equidade.

Atender às necessidades bucais de uma pessoa com autismo exige de nós, cirurgiões dentistas, um tempo maior durante as consultas, um cuidado minucioso com a anamnese, algumas adaptações que estarão relacionadas a personalidade (como eu disse, individual) de cada um desses possíveis pacientes. Pode exigir de nós, um pouco mais de paciência, de tolerância.

Mas o maior desafio mesmo está, não somente na capacitação, mas no processo de motivação para que um cirurgião dentista desperte dentro de si a vontade de acolher uma pessoa com TEA em sua rotina de trabalho.

Se considerarmos o trabalho (que em grande parte é tecnicista) realizado por nossos colegas cirurgiões dentistas e somarmos a isso as particularidades que alguns (não todos!) pacientes autistas podem necessitar, podemos chegar a óbvia conclusão que todos nós, desde que atuantes em uma odontologia ética, de qualidade, responsável, atualizada e baseada em evidências científicas, estamos aptos a atendermos pessoas com autismo. E aqui vai uma observação importante, destinada àqueles que irão se motivar com esta leitura: um dos aspectos mais importantes e que nos exige muito cuidado, é estarmos familiarizados com os fármacos utilizados por cada paciente e o risco de interações medicamentosas. Todo o resto é baseado no conhecimento que você já tem e no conhecimento, nas experiências e sensações que você se permitirá ter.

Não vou mentir! O paciente autista pode deixar seu consultório de cabeça pra baixo, deixar você exausto porque não parou de falar um minuto, não passou nem perto da sua cadeira e ainda por cima abriu todas as suas torneiras? Sim! Mas ele também pode ser colaborador, esperto, ter coisas incríveis para te ensinar, demonstrar afeto, confiar em você e… receber e retribuir a gestos de carinho.

O desafio não está exclusivamente em atender o paciente autista, mas essencialmente em despertar nos cirurgiões dentistas a vontade de fazê-lo. E claro, pode ser que um colega realmente não se sinta apto e este é um direito assegurado pelo nosso código de ética. No entanto, acolher, buscar ajuda e encaminhar para outro profissional, uma pessoa com autismo que apresente um problema bucal, é uma questão de responsabilidade social.

Dra. Lais David Amaral

Lais David Amaral é Professora do Curso de Odontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Mestre em Ciências da Saúde – UnB, Especialista em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (UNIP) e em Odontologia em Saúde Coletiva (UnB) e compõe a Diretora de Comunicação ABOPE.
Cidade: Brtasília – DF
Contatos: lais@autismo.odo.br